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Análise IEDI: Inovação - Como criar mercados e fomentar um crescimento inteligente?

29/05/2018


A inovação é um meio fundamental para fomentar o crescimento econômico inteligente, justo e sustentável e, por isso, consiste em um dos principais desafios que os Estados não podem deixar de enfrentar. Esta Análise IEDI discute a interação entre setor público e setor privado no processo de criação de tecnologias disruptivas. O tema é dos mais atuais, dado que caminhamos a passos largos em direção à 4ª Revolução Industrial com o explícito apoio de políticas públicas nas principais potências econômicas do mundo.

Para isso, sintetizamos os principais argumentos empregados por Mariana Mazzucato em seu trabalho intitulado "Sistemas de innovación: como dejar de subsanar las falhas de mercado para comenzar a crear mercados”, que compõe o livro "Políticas industriales y tecnológicas en América Latina” publicado em novembro de 2017 pela CEPAL, defende que as políticas públicas devem ser orientadas para objetivos amplos, os quais ela denomina de missões. A ideia geral é a de que a atuação do Estado por meio das missões deve se concentrar em fomentar novas revoluções e trajetórias tecnológicas que possibilitem um crescimento inteligente, socialmente justo e sustentável.

O ponto de partida deste e de outros trabalhos da autora é reconhecer que as trajetórias de desenvolvimento dos países não é uma questão de dimensionamento do Estado ou do mercado, isto é, mais ou menos Estado, mais ou menos mercado, mas sim do modo como se combinam e interagem, possibilitando um processo virtuoso à inovação e ao crescimento econômico.

Dada a complexidade do fenômeno inovativo, seu elevado grau de incerteza, a cumulatividade do processo de aprendizado e os volumes financeiros necessários para seu financiamento, a atuação do setor público é parte importante na criação de revoluções e trajetórias tecnológicas. Sua eficácia é tão maior quanto mais as políticas estiverem direcionadas ao cumprimento de missões, isto é, à resolução de problemas sociais, econômicos ou propriamente tecnológicos.

Entretanto, Mazzucato argumenta que os desafios colocados por estas missões não são suficientemente respondidos pelo arcabouço tradicional de políticas públicas, que sugere que a atuação estatal deva se circunscrever a situações em que não se verificasse o funcionamento adequado do mercado. Em outros termos, este arcabouço continuaria a enfatizar um caráter excludente entre a presença do Estado e do mercado.

Com vistas a superar tais limitações e fomentar um crescimento inteligente, Mazzucato defende a centralidade das alianças público-privada, capazes de funcionar como bases de um novo arranjo institucional que potencialize os esforços inovativos para fomentar novas tecnologias disruptivas ao invés de apenas viabilizar inovações incrementais.

Uma das dificuldades para o funcionamento deste arranjo, todavia, é a disponibilidade em nível adequado de recursos públicos para financiar as rodadas sucessivas de esforços tecnológicos. Isso porque tende haver uma importante assimetria: uma tendência de socialização dos riscos envolvidos no processo de inovação, mas de privatização dos lucros dele decorrentes, o que tenderia a deteriorar, ao longo do tempo, a capacidade do Estado de financiar as próximas revoluções tecnológicas.

Assim, para garantir a continuidade do financiamento às sucessivas rodadas de missões tecnológicas, Mazzucato sugere a construção de um arcabouço institucional que apresente um equilíbrio maior entre distribuição de lucros e prejuízos entre os setores público e privado.

Políticas públicas e crescimento inteligente via inovação: 

A capacidade de se fomentar um crescimento inteligente, justo e sustentável se configura como um desafio à economia global. Assim como há um certo consenso acerca deste desafio, também há um consenso que o instrumento para tal crescimento é a inovação, sobretudo a criação de novas revoluções tecnológicas e não apenas avanços incrementais.

Entretanto, as características da inovação (incerteza, cumulatividade e importância do aprendizado coletivo por meio de interações entre os agentes) exigem desafios crescentes aos Estados Nacionais e a suas políticas de financiamento ao esforço tecnológico.

Tais desafios não podem ser respondidos pelo arcabouço tradicional de políticas, uma vez que este sugere fortemente que a atuação do Estado deve ocorrer apenas quando o mercado não funciona de maneira eficiente. Em outros termos, a visão de que Estado e mercado substituem um ao outro de forma excludente deixa de considerar o que há de mais relevante, a saber, como Estado e mercado interagem e se combinam de modo a potencializar os efeitos positivos sobre o desenvolvimento dos países.

As limitações do Estado Mínimo para criar revoluções tecnológicas: 

Segundo Mazzucato, as diretrizes atuais que orientam a formulação de políticas públicas são insuficientes para promover um crescimento econômico inteligente, isso porque restringem-se a corrigir eventuais falhas de mercado. Tais falhas podem ser interpretadas como eventuais situações onde o sistema de preços não funciona adequadamente, devido a fatores como informação assimétrica, poder de monopólio, vigência de externalidades e bens públicos e problemas de coordenação. Deste modo, essa forma de atuação do Estado incorreria em quatro limitações para viabilizar o crescimento inteligente.

A primeira delas é a incapacidade de direcionar as transformações rumo a novos paradigmas tecno-econômicos. Essa limitação ocorreria porque não há processo automático que seja capaz de, ao mesmo tempo, viabilizar a resolução de desafios tecnológicos e sociais. Para justificar tal proposição, Mazzucato apresenta inúmeros exemplos que comprovam a centralidade da atuação do Estado no desenvolvimento de novos paradigmas e revoluções tecnológicas. De maneira geral, o que se mostra é que historicamente as grandes revoluções tecnológicas contaram com importantes investimentos públicos por meio de missões, que tinham como objetivo desenvolver tecnologias específicas. Assim, por exemplo, a revolução da microeletrônica e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) teve como base públicas mission-oriented que alavancaram o desenvolvimento de tecnologias específicas como a internet, o GPS, o display touch screen, entre outras.

Essas políticas por missões disponibilizaram créditos e subsídios aos agentes privados, além de fomentarem a demanda inicial por meio de compras públicas e criarem incentivos à cooperação para o aprendizado tecnológico entre instituições públicas e privadas. Como resultado, viabilizaram indiretamente o florescimento de tecnologias que são embarcadas em produtos e serviços de empresas como Apple e Google. Ou seja, a atuação ativa do Estado teria sido decisiva para promover a transição do paradigma tecnoeconômico da produção em massa para o da microeletrônica, dados os volumes de recursos iniciais envolvidos, a elevada incerteza e os elevados prazos de maturação dos investimentos.

Uma segunda limitação do Estado mínimo em promover revoluções tecnológicas em direção ao crescimento inteligente decorre da insuficiência dos atuais instrumentos de avaliação de políticas públicas centrados exclusivamente na mensuração de custos e benefícios para captarem toda a contribuição positiva destas públicas para o desenvolvimento.

Como estes instrumentos de avaliação são essencialmente estáticos, não conseguem captar todos os benefícios de um processo dinâmico de crescimento marcado por grandes transformações tecnológicas. Em outras palavras, como tais transformações envolvem necessariamente a criação de novos cenários que anteriormente não existiam, os instrumentos utilizados para se mensurar os custos e benefícios por meio da comparação estática entre dois cenários hipotéticos que existiriam caso não houvesse atuação do Estado são insuficientes.

Como terceira limitação da atuação tradicional do Estado para fomentar o crescimento inteligente, aponta-se a incapacidade do Estado mínimo fomentar os processos de aprendizado, experimentação e inovação. Isso porque tais processos exigiriam uma nova estrutura organizacional, uma vez que demandaria uma grande capacidade de formulação de políticas audaciosas. Adicionalmente, tal formulação e a conseguinte execução exigiriam a construção de estruturas públicas com elevada capacidade de absorção de conhecimento e aprendizado, propensas à experimentação e ao erro, ao invés de estruturas burocráticas restritas à gestão de curto prazo.

Por fim, a quarta limitação da visão tradicional acerca da atuação do Estado diz respeito à incapacidade de se criar mecanismos que façam com que uma parcela dos resultados positivos do processo de inovação retorne ao Estado de forma a financiar novos esforços de transformações tecnológicas. Só desta forma a interação virtuosa entre Estado e empresas poderia se reproduzir ao longo do tempo.

Além disso, embora importante, o capital de risco, segundo Mazzucato, tende a ter uma atuação muito focada no curto prazo, concentrando-se, assim, no financiamento de inovações incrementais, dado o fato destas permitirem o retorno do investimento em um horizonte de cerca de 3 anos na média. Esta tendência, entretanto, ocorreria em detrimento da disponibilização de recursos para o financiamento de esforços tecnológicos que tenham como objetivo mais amplo viabilizar transformações nas trajetórias tecnológicas. Uma vez que estes esforços apresentam elevado grau de incerteza e longo prazo de maturação, seu financiamento seria essencialmente público.

No entanto, a dinâmica de financiamento destas inovações mais disruptivas se mantém com muita dificuldade no longo prazo se o Estado não se beneficiar diretamente do eventual sucesso de seus esforços de apoio, de modo a compensar os riscos assumidos por ele. Ou seja, é importante que não haja um movimento de socialização dos riscos e de privatização dos lucros (potencializado pelas estratégias empresariais de elisão tributária por meio da transferência de atividades para outros países), pois esta assimetria pode deteriorar progressivamente a capacidade do Estado de financiar as próximas rodadas de esforço tecnológico.

Alianças público-privadas para o desenvolvimento: 

Dada a limitação da capacidade do capital de risco de financiar os esforços que se materializarão nas novas revoluções tecnológicas disruptivas – devido a natureza de curto prazo de seus investimentos – tal atividade depende fundamentalmente de recursos públicos. Como fora afirmado anteriormente, a garantia da disponibilidade em nível adequado destes recursos e da capacidade do Estado financiar rodadas sucessivas de esforços tecnológicos depende da criação de um arranjo institucional que viabilize um melhor equilíbrio entre distribuição de lucros e prejuízos entre os setores público e privado.

Conforme destaca o trabalho, as interpretações convencionais tendem a amplificar os ecos dos casos nos quais as políticas públicas financiaram tecnologias ou empresas que posteriormente fracassaram. Por outro lado, essas mesmas interpretações tendem a minimizar a importância das políticas públicas para o sucesso de empresas e tecnologias que lograram grande sucesso.

Para ilustrar tal situação, pode-se destacar a pequena divulgação da participação central do Estado no desenvolvimento de tecnologias utilizadas nos produtos da Apple e o financiamento pelo governo americano de parte dos esforços tecnológicos do Google e da Tesla. No exemplo oposto, fracassos retumbantes como o financiamento do governo Obama à Solyndra e do governo francês ao projeto Concorde ganham grande ênfase.

Essa percepção assimétrica dos sucessos e dos fracassos das políticas públicas, por sua vez, dificulta o esforço de se constituir mecanismos institucionais que façam com que o Estado recupere uma parcela dos recursos utilizados para apoiar tecnologias inovadoras. Canais indiretos, tais como a tributação sobre a atividade econômica geral não são suficientes, segundo Mazzucato. Isso principalmente porque, nas últimas décadas, sob a pressão da globalização, ocorreram ações na direção da redução da tributação ao capital por parte dos governos e da engenharia tributária por parte de grandes empresas. Ademais, com a internacionalização das cadeias produtivas, nem sempre as atividades geradoras de impostos são realizadas nas mesmas regiões onde houve o financiamento ao desenvolvimento das tecnologias subjacentes a tais atividades.

Neste cenário, com o intuito de se garantir recursos para o financiamento contínuo para enfrentar os próximos desafios tecnológicos e sociais, Mazzucato sugere a construção de um arcabouço institucional que viabilize um crescimento inteligente, inclusivo e sustentável.

Baseado em alianças entre setores público e privado, tal arcabouço poderia assegurar vários instrumentos que garantissem o retorno direto ao Estado de uma parcela dos lucros auferidos pelo setor privado a partir de tecnologias desenvolvidas fundamentalmente com financiamento público. Dentre os instrumentos que poderiam viabilizar tal arranjo, a autora cita uma pequena participação do Estado no capital acionário das empresas financiadas e empréstimos semelhantes aos estudantis onde a restituição seria condicionada à geração de receita e lucros futuros. Assim, se teria um equilíbrio maior entre socialização dos riscos e das recompensas.

Vale destacar que em nenhum momento tais alianças teriam como objetivo subjugar a atuação do setor privado ao direcionamento Estatal. Adicionalmente, o que se sugere são participações bastante pequenas (às vezes ínfimas, por exemplo 1% da receita gerada pelas empresas de internet, dado que essa tecnologia foi desenvolvida com forte financiamento estatal) apenas em eventuais futuros retornos.

A partir destas propostas, o que se nota é a preocupação em se criar condições para a transformação sustentável da estrutura produtiva a partir de missões inovativas.Entretanto, a fim de se viabilizar esse novo arcabouço baseado nas alianças público-privada é necessária uma nova visão sobre a atuação do Estado na economia. Dada a insuficiência da atuação nos moldes atuais para garantir tal crescimento inteligente também é preciso que os organismos públicos se transformem no sentido de desenvolverem em seu seio capacidades criadoras ou experimentadoras e de aprendizado.

Para acessar o documento na íntegra, clique aqui.

(IEDI - 23/05/2018)