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Artigo: O quadro que a Pintec pintou

10/01/2017


Em dezembro do ano passado, já em meio aos preparativos natalinos, o IBGE lançou os resultados da sexta edição da Pintec, pesquisa especializada voltada para investigar a inovação tecnológica na indústria brasileira. Para aqueles que ansiavam por boas notícias nesse campo, o quadro que foi retratado pela nova Pintec ficou muito distante de algo que pudesse ser considerado um presente de fim de ano.

A Pintec é uma pesquisa muito bem planejada e executada, dotada de boa comparabilidade intertemporal e internacional, cobrindo uma amostra de cerca de 18.000 empresas, setorial e regionalmente representativa de um universo de cerca de 130 mil empresas com 10 ou mais empregados existentes na indústria e em determinados serviços selecionados no Brasil. A edição recém-lançada refere-se ao triênio 2012-2014, período marcado pela forte inflexão no dinamismo da economia brasileira.

Registre-se que foi a campo entre a segunda metade de 2015 e o início de 2016, portanto já durante o período de crise aberta. Esse fato pode ter contribuído com doses adicionais de pessimismo, refletindo a inevitável subjetividade dos respondentes nessas situações.

Devido à maior inteligibilidade, as primeiras análises dos dados trazidos pela Pintec costumam se deter nos indicadores agregados de desempenho e de esforço, descritos, respectivamente, pela taxa de inovação (proporção de empresas que introduziram inovações de produto, processo ou ambas no período de referência) e pela intensidade inovativa (valor dos gastos realizados com atividades inovativas como proporção da receita líquida das empresas). Na Pintec 2014 ambos indicadores mostraram estabilidade em relação à edição anterior da pesquisa. Por exemplo, a taxa de inovação total agregada foi de 36,0% no triênio 2012-2014 ante 35,7% no triênio 2009-2011. O mesmo ocorreu com as inovações novas para a empresa, ou novas para o mercado nacional ou, ainda, novas para o mercado internacional. Já a intensidade da inovação praticamente repetiu o valor de 2,5% apurado para 2011, embora com uma redução mais significativa, de 2,37% para 2,12% quando se contabiliza somente a indústria.

Nas primeiras explorações da Pintec 2014, essa marcante estabilidade nos indicadores ensejou entre os analistas um consenso interpretativo na linha do "copo meio cheio, meio vazio". De um lado, a manutenção dos indicadores nos mesmos patamares da década passada teria sido um resultado frustrante diante da prioridade crescente conferida à inovação tanto como objeto de políticas públicas quanto como alvo de iniciativas no âmbito das associações empresariais. De outro lado, não se pode perder de vista que o triênio coberto pela pesquisa coincidiu com uma vertiginosa piora do quadro econômico, de forma que não ter havido registro de queda pode mesmo ser considerado um fato positivo.

Os estudos que se seguirão irão certamente esmiuçar o rico acervo estatístico disponível e montar um detalhado diagnóstico da situação da inovação no Brasil. Contudo, a ênfase comumente conferida a comparações intertemporais e internacionais das variáveis de desempenho e esforço costuma ofuscar importantes características estruturais do processo de inovação no Brasil. Apenas para exemplificar, a Pintec 2014 mostrou que dentre as empresas que introduziram qualquer tipo de inovação, simplesmente 82,5% não realizaram ou atribuíram baixa importância às "atividades internas de P&D". Com relação a "aquisição externa de P&D", esse número vai a 94,4%. Em contrapartida, as atividades inovativas mais valorizadas pelas empresas são a "aquisição de máquinas e equipamentos" e "treinamento", assinalados como de alta importância por 52,7% e 43,8% das empresas, respectivamente.

Hoje já é bastante visível o grande número e o peso específico da comunidade de "stakeholders" da inovação no Brasil. Essa comunidade conta com uma nítida coesão de objetivos, expressa no desejo de mudança estrutural com aumento de densidade tecnológica de processos e produtos da estrutura produtiva nacional. O problema está em como propiciar a passagem da dependência da tecnologia incorporada em máquinas e, agora, cada vez mais em sistemas, para a acumulação de capacidade inovativa em si em um tecido produtivo com características estruturais como a acima descrita.

Essa transformação não será alcançada tratando-se a inovação como um motor autônomo de crescimento, capaz de dinamizar a economia apoiada essencialmente na liberação do espírito empreendedor dos atores sociais. A inovação sempre está associada ao processo de investimento, mas isso tampouco significa que a capacidade inovativa suceda espontaneamente a acumulação de capital. Ela também ter que ser construída. A "desincorporação" da tecnologia requer, portanto, estratégia, planejamento, ação e coordenação públicos e privados. Infelizmente, são elementos que, nesse momento, não se descortinam no horizonte. Por isso mesmo, é fundamental que o trabalho de mobilização dos atores da inovação não perca ímpeto e que a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação assegure que a massa crítica de capacitações tão duramente construída em décadas não se perca. Do contrário, o triênio 2015-2017, que será captado pela Pintec, trará resultados muito preocupantes.

Acesse a íntegra do estudoclique aqui.

(09/01/2017 - Valor Econômico - David Kupfer)