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Artigo CESAR: De produto a serviço - a transformação da indústria
03/02/2017
Em 1995, começou a operar no Brasil o que conhecemos hoje por Internet das Pessoas. Ao nos conectar uns aos outros e às organizações de formas variadas, permitiu-se a desintermediação de mercados e a mudança na estrutura de negócios e setores inteiros. Agora, é chegada a vez de trazer para a rede os objetos, para a chamada Internet das Coisas - Internet of Things (IoT).
Para termos ideia da dimensão do impacto potencial da IoT vale fazer uma comparação com outras redes de conexão. Em 2025, a telefonia fixa terá completado 150 anos de existência e atingido 1 bilhão de lugares; a telefonia móvel, 7 bilhões de pessoas após 50 anos de existência; a internet fixa, 1 bilhão de pessoas após 25 anos de existência; e a IoT terá conectado 50 bilhões de objetos em apenas 20 anos de existência, provocando um impacto de US$ 11 trilhões na economia mundial.
Uma das mais impactadas será a indústria de produtos manufaturados. A IoT possibilitará um grande aumento de eficiência na produção por meio da otimização de processos e do uso de maquinário, mas as mudanças serão muito mais profundas no produto fabricado. Nada será como antes: do ciclo de vida dos produtos, às relações entre a indústria e seus usuários e, até na forma como serão estabelecidos volumes de produção. Tudo muda.
Os produtos que consumimos hoje, em sua grande maioria, são eletromecânicos e isolados. O baixo custo de unidades computacionais e de memórias permitirá, num primeiro momento, que os produtos se tornem inteligentes, com capacidade de decisão por e para nós. Serão assistentes inteligentes e tornarão nossas vidas mais fáceis. É o que já acontece com o carro. Os mais sofisticados chegam a ter 70 unidades de processamento e possuem inteligência suficiente para reconhecer placas na estrada, para nos alertar sobre limites de velocidade, ou mesmo frear por nós em situações de risco. E por que não lembrar dos nossos smartphones?
Com o advento da IoT, os produtos inteligentes serão conectados, ampliando funções e capacidade de decisão, possibilitando a cooperação com produtos similares ou complementares. O carro conectado, por exemplo, pode enviar informações sobre velocidade das vias que trafega, obstáculos e acidentes no percurso para a administração pública. Pode também informar à montadora as condições de uso e o desgaste das peças, permitindo a predição de falhas e o agendamento antecipado de paradas para reparo. De forma similar aos smartphones, o carro conectado poderá receber atualizações de software para correção de falhas ou ampliação de suas funções. Foi precisamente o que fez a Tesla com os modelos S vendidos de 2014 para cá, que, em 2016, receberam o piloto automático (sem que precisem passar numa concessionária para isso).
O produto inteligente e conectado também provocará uma mudança importante no valor dos bens manufaturados: continuaremos pagando pelo produto em si, ou pelo que ele entrega? Uber e Airbnb crescem exponencialmente sem possuir um único ativo, e outras empresas exploram modelos pay per use com bicicletas e purificadores de água. Quem consome o que estas empresas entregam consome serviços. Produtos manufaturados, carros, casas e quartos para aluguel, bicicletas e purificadores de água são meios para que a entrega dos serviços possam ocorrer e, portanto, parte substituível e de menor valor na cadeia de entrega do serviço.
Vejo, então, pelo menos quatro possíveis cenários para as empresas de produtos manufaturados:
1) permanecerem como estão;
2) evoluírem para fabricar produtos intensivos em software e conectados;
3) operarem serviços baseados em produtos intensivos em software e conectados;
4) fabricarem e operarem serviços por meio de seus produtos inteligentes e conectados.
A opção pelo cenário 1 não requer esforço, mas também não nos parece muito robusta. Além de inviabilizar a participação da indústria no que será o maior mercado dos próximos anos, irá deixá-la vulnerável ao ataque de novos entrantes ou das incumbents que evoluíram seus produtos para o cenário 2.
A transição para o cenário 2 não será sem dor. Ao contrário do que acontece com a indústria de manufatura atual, produtos na IoT serão híbridos de hardware, intensos em software e conectados. Para fazer esta migração será necessário à indústria adquirir novos conhecimentos, a fim de ser capaz de desenhar, desenvolver e manter produtos.
O cenário 3 é para quem quer deixar de ser indústria. Por que não? Muitas empresas vão muito bem sem fabricar absolutamente nada.
Ainda temos o cenário 4, que é o mais difícil de todos. Nele, além de fazer toda a mudança para atualizar sua capacidade de concepção e desenvolvimento de produtos, como no cenário 2, a indústria precisará desenvolver competências de uma empresa de serviço, pois operar um serviço baseado em produtos conectados significa saber capturar dados continuamente do produto, interpretá-los para evoluir continuamente, além de entender e atender usuários na prestação do serviço.
Não, não será fácil. Mas dependendo do setor que a indústria se encontra, não existem outras boas alternativas. Imaginem se forem poucos os provedores de serviços que necessitam do seu produto. Imagine-os dominantes. Pois não só a maior parte do valor capturado estará com o provedor do serviço, como será ele quem irá determinar os volumes de produção.
Eduardo C. Peixoto
Executivo Chefe de Negócios do Cesar
* O CESAR (www.cesar.org.br) promove a transformação da indústria para era de produtos intensivos em serviços através da visão POETAS.IT (www.cesar.org.br/poetas.it/visionstatement), da requalificação de engenheiros e designers (www.faculdadecesar.com.br) e do redesenho e reconstrução de produtos com sua unidade EMBRAPII (www.embrapii.org.br/cesar-3).
(Revista Abinee - n° 89 - Janeiro/2017)